sábado, 23 de abril de 2011

O ator e a personagem


Crueldade! Isso mesmo! Total crueldade a questão da escolha de uma personagem para o ator. E sabem o porquê disso? Porque escolher é preciso e, ao mesmo tempo, impreciso. Preciso, por ser importante para a peça existir, e impreciso, porque a sua escolha é a fuga de tantas outras possibilidades que escorrem pelos dedos.
A maldição do ator está em saber que estudar tantos personagens é imprescindível para sua vida, mas, ao mesmo tempo, a morte súbita das suas próprias escolhas. Todo ator é um aventureiro que tenta desbravar o sertão árido e duro que é o ato de representar. O ator, ao se deparar com uma peça de teatro em suas mãos, sente-se solitário, nu de razões, recheado de sentimentos e emoções, mas condenado a viver uma vida, mesmo que temporariamente, que não é sua, perdendo sua individualidade e identidade.
O ator leva para casa bem mais que um texto ou uma opção de atuação, mas um mundo cruel de possibilidades. O chão se abre sob seus pés e numa sensação de queda livre, como quem caísse sem pára-quedas em direção ao nada, subitamente se depara com um outro eu, de um outro rosto, nova personalidade. O texto está pronto, a fala tem uma direção e a vida no palco tem seu fim.
Esse processo, entre a razão e a embriaguez, de escolha e de tentativa constante de fuga dela, de experimentação que o ator vive e, ao mesmo tempo, deixa de viver, é que o faz pensar na sua personagem como algo que lhe escapa à sua própria realidade. A grande crueldade do teatro para o ator é saber que foi a sua personagem que o escolheu, e que lhe disse o seu fim.

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